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quarta-feira, 1 de junho de 2011

“RELIGIÃO ATÉIA” – O PARADOXO SUPREMO

Encotrei este texto no blog Humor Ateu. Achei interessante e resolvi compartilhar com os leitores. Posso dizer que conordo com o autor em suas colocações. Principalmente porque já passei por uma situações muito parecidas, nas quais os religiosos utilizam de uma lógica duvidosa e de argumentos desonestos para tentar nos convencer de que estamos errados.

Sou obrigado a admitir que também do lado dos ateus também há casos de desonestidade na hora da argumentação, mas vou deixar isso para outra ocasião. Na verdade, certa vez fiz uma análise dos argumentos dos ateus sobre a ideia de que a Bíblia diz que a Terra é plana. A conclusão foi de que a maioria dos argumentos era furada. Mas podem deixar. Vou trazer esse artigo para cá. Ele é bom demais para morrer quando o outro blog for apagado.

Vamos então ao texto.



“RELIGIÃO ATÉIA” – O PARADOXO SUPREMO

Texto de Diogo Cysne

Confesso que este escrito não é nada senão um produto casual de alguém que deseja ardentemente escrever qualquer coisa. Atualmente trabalhando em um livro, encontro-me em um hiato de estímulo tão grande que, após uma semana sem escrever nada, comecei a escrever umas duas páginas, mas fiquei tão insatisfeito com elas que as deletei prontamente. É frustrante. Ler pode ser um prazer indescritível, mas escrever são outras tantas. Relembrando nosso grande Douglas Adams, criador de uma das aventuras espaciais mais singulares de todos os tempos: “Odeio escrever. Adoro ter escrito”.

Não suporto não fazer nada. Desde a produção de vídeos para YouTube até a criação de pequenos empreendimentos universitários, eu tenho que fazer alguma coisa. Sempre! O tédio que me invade é tão grande que muitas vezes não me resta opção a não ser caminhar sozinho pela casa, recitando diálogos de filmes famosos e encenando algumas peças teatrais de meu anos de colegial. Estou frustrado por não conseguir avançar em meu livro; no entanto, falta-me coragem – ou paciência, ou ambos – para enfrentar de novo as medonhas páginas em branco.

Este escrito nada mais é do que um trabalho de quem, para fazer alguma coisa, resolve falar sobre um tema que, apesar de ridículo, parece fulgurar insanamente na cabeça de muitas pessoas: o ateísmo como “uma religião”.

Sou apreciador de Dawkins, mas o nobre cientista, receio confessar, não está entre os meus maiores ídolos. Nem mesmo sei se posso chamá-lo de “ídolo”. É um homem, sem dúvida, bem intencionado e inteligentíssimo, uma pessoa cuja amizade seria valorosa e marcante, mas, não conhecendo mais nada sobre ele, freio-me em uma recatada admiração. E só. Seu radicalismo acerca das religiões é, na minha opinião, seu maior defeito. Portanto, tenho especial descontentamento com suas frases igualmente pesadas. Creio que Dawkins é um eficaz combatente contra o fanatismo, não contra a religião como um todo. Ainda assim, em uma de suas frases inflamadas, encontrei o seguinte trecho: “Quando se discute com religiosos, a última coisa que você pode esperar deles é razão. Isso porque eles, no seu mundo imaginário, criam suas próprias formas de razão, e não estão nem aí se estas formas estão de acordo com a razão do mundo que os cerca. (…) Quando você discute com um religioso e ele chega a ponto de, por exemplo, chamar o ateísmo de religião, desista. Não tem como você ganhar este debate, pois ele está além de qualquer raciocínio lógico. Desista. Vá debater com uma porta. Será mais proveitoso”.

Em meus tempos de religioso, eu já ouvira falar na expressão “o ateísmo é somente mais uma religião”. Nem mesmo contaminado pelo pensamento religioso eu pude levar esta idéia a sério. Na verdade, nem sabia como alguém podia usar este “argumento” em um debate. Para mim, por razões muito óbvias, dizer que o ateísmo era religião era como dizer que NÃO colecionar selos é um hobby. É claro que, achando que ninguém racional fosse usar tal argumento, eu não pensei muito no caso. Era como tentar refutar alguém que insiste em dizer que dois mais dois é igual a cinco. Você nem se dá a este trabalho.

Infelizmente, o mundo é mais sombrio do que sonha nossa vã inteligência. Não somente aprendi que as pessoas usam o argumento como “o ateísmo como religião”, como descobri que são muitas! E muitas delas estão espalhadas em mídias com certa influência sobre as massas! Debatendo – ou realizando alguma coisa que se assemelhava a um debate, tão pífias eram as idéias que meus oponentes usavam – acabei aprendendo os principais pontos com os quais essas pessoas defendem sua tese.

Pretendo dar um basta nesta insanidade. Não sei, é claro, se vou conseguir. Provavelmente não. Alguém que diz que “ateísmo é religião” é capaz de dizer qualquer coisa. É capaz de dizer que a água é seca ou que um círculo tem arestas, e defender até o fim da vida estes dizeres. Fazer o quê. Contento-me em saber que estas pessoas têm tanta relevância sobre o mundo quanto uma pulga tem sobre um cachorro. O problema é que às vezes a pulga, portadora de algum agente patológico, pode infectar e matar o cão. Torçamos para que estas pessoas não infectem e, por fim, executem nosso mundo, que vem presenciado muitos eventos bárbaros ultimamente.

ARGUMENTO 1: “A religião baseia-se na fé, e os ateus tem fé de que deus não existe. Eles não têm provas, têm apenas fé. Portanto, o ateísmo é religião”

É difícil saber por onde começar. Primeiro, parece haver uma confusão com a palavra “fé”. Não sei qual é o sentido que os religiosos dão para ela, mas com certeza não é o sentido que os ateus possuem. Imaginemos uma pessoa que joga na mega-sena, onde as chances de vitória são de uma em trinta milhões. Você apostaria que esta pessoa ganhará o prêmio? Você acha que ela ganhará prêmio? Não. Ninguém acha. Tanto que, se alguém declara que com certeza vai ganhar na mega-sena, o máximo que recebe de atenção são risos. Isso porque as chances de ela ganhar são tão pequenas que, para todos os efeitos, consideramos que ela não irá ganhar o prêmio.

Esse é o ponto em que muitos se confundem. Nenhum ateu pode dizer que deus não existe. Se você é um ateu e tem a convicção que deus não existe, é melhor ficar calado. Nem mesmo Richard Dawkins, famoso pelo seu radicalismo, afirma tal coisa. Em seu livro “Deus um Delírio”, não há uma única afirmação de que deus, com toda certeza, não existe. Um dos capítulos chama-se “Por que deus provavelmente não existe”. “Provavelmente”, e não “com certeza”! Simplesmente não existem provas para a inexistência de um deus! De fato, nós ateus “acreditamos” que deus não existe, mas este “acreditar” não tem nada a ver com o sentido místico que os religiosos atribuem à palavra. Nós acreditamos que deus não existe da mesma maneira que não acreditamos que uma pessoa vá ganhar na loteria.

Deus é incrivelmente improvável. Tão improvável que ganhar cem vezes seguidas na mega-sena ainda assim é muito mais provável do que a existência de alguma divindade. Mas isso são outros quinhentos. O que importa é que nossa “fé” na inexistência divina é somente a mesma “fé” das probabilidades: você não tem “fé” que o time da Coréia do Norte vá golear o da Espanha. Você não tem “fé” que haverá muitos sobreviventes de uma queda livre e dantesca de avião. Você não tem “fé” de que ganhará na mega-sena. Você pode ter uma vã esperança de que qualquer um desses incidentes altamente improváveis possa acontecer. Mas você, no fundo, sabe que, provavelmente, eles não acontecerão. Dessa forma, você não se decepciona quando a Coréia no Norte perde, ou quando o noticiário mostra que ninguém sobreviveu ao acidente ou, ao conferir os números da bolada, você constata que, mais uma vez, não ganhou.

É claro que “altamente improvável” não significa “impossível”. A Coréia do Norte, por algum fator qualquer, pode eventualmente golear a Espanha. Um acidente de avião pode deixar muitos sobreviventes – pode deixar inúmeros. Você pode ganhar na mega-sena. E, se não ganhar, alguém, algum dia, vai! Você pode ganhar cem vezes seguidas na mega-sena! Nada neste universo impede! É claro, é tudo uma questão de probabilidade. Deus pode existir. Vai que ele exista!

Nós ateus, contudo, não perdemos tempo com isso, da mesma forma que você não perde tempo “acreditando” que irá ganhar na mega-sena. Deus é tão improvável que, para todos os efeitos, não o consideramos.

ARGUMENTO 2: “Religiosos possuem rituais e se reúnem sempre para discutir suas crenças, e os ateus também. Assim, ateísmo é religião".

Não, você não leu errado. Já ouvi inúmeras variações disso. É claro que os religiosos não fazem diferença entre um culto evangélico e uma palestra de Sam Harris. Nós ateus, sim, nos reunimos em grupos para discutir absurdos da religião. Damos palestras sobre o assunto. Nós incentivamos o ceticismo. E daí? Neste mesmo raciocínio, qualquer agremiação poderia ser considerada uma religião! Existem cinéfilos que realizam palestras e conferências sobre as maravilhas do cinema; eles vêm o cinema como a mais especial das artes; eles realizam cursos de cinema; eles “espalham a palavra” do cinema ao máximo de pessoas que estiverem interessadas em ouvi-los. Isso tudo não faz deles, todavia, os “Adoradores da Grande Película” ou os “Iluminados pela Palavra do Poderoso Chefão do Sexto Sentido”. Eles são apenas cinéfilos.

Todos nós gostamos de nos reunir com quem compartilha nossas mesmas idéias. Gostamos de debater sobre nossas posições, de refletir sobre elas e, ocasionalmente, de proferir palestras sobre elas. Biólogos debatem sobre biologia; artistas debatem sobre arte; ateus debatem sobre o ateísmo. E nem sempre, pois “ateu” é uma palavra muito menos precisa do que “biólogo” ou “artista”. É chato debater só sobre o ateísmo; “ateu” não é um arquétipo como “artista”. Ateus freqüentemente debatem sobre inúmeras outras coisas além do ateísmo, mesmo em reuniões dedicadas exclusivamente ao tema. Se você for a um encontro de ateus, provavelmente falará de assuntos tão variados quanto literatura ou a diplomacia entre seu país e as nações do sudeste asiático. O assunto de que você talvez menos fale seja o ateísmo em si.

ARGUMENTO 3: “As religiões são marcadas por símbolos que as distingam, e o ateísmo também. Portanto, ateísmo é religião”.

Isso é o mesmo que dizer que a Coca-Cola é uma religião. A primeira e mais óbvia distinção é que os símbolos dos religiosos são, para eles, sagrados. Os nossos símbolos são somente isso: símbolos. Existem inúmeros símbolos que representem o ateísmo. O meu favorito é um unicórnio estilizado como uma bela logomarca (link). Na verdade, existem símbolos para distinguir qualquer coisa! Qualquer agremiação estudantil cria símbolos para si própria. Gangues criam símbolos. Empresas criam símbolos. Profissões possuem símbolos! Famílias possuem brasões! Mas nem por isso todos são parte de milhões e milhões de religiões!

ARGUMENTO 4: “Os ateus fazem de tudo para divulgar o ateísmo sobre as pessoas, assim como os religiosos espalham a Palavra de Deus. Assim, ateísmo é religião”.

Isso lembra um pouco o “argumento” um. Na verdade, já existe um erro no início da frase: “os ateus fazem de tudo”. Não, não fazem. Richard Dawkins não obriga as pessoas a irem a suas palestras. Não tenho conhecimento de nenhuma “Marcha em Favor do Ateísmo”. Nenhum ateu sensato fica fuçando a vida religiosa dos outros, criticando seus hábitos sem motivo; tanto porque isso é uma imensa descortesia.

Todo ateu deve ser, antes de tudo, um boa pessoa. Dessa forma, discreta e polida. O problema é que quase sempre somos forçados a defender nossas opiniões. Tenho medo, por exemplo, de que alguma conversa na qual eu esteja envolvido enverede para o tema da religião. Quando um homem pergunta, casualmente, ao outro qual é a sua religião, e eles responde que é de uma religião diferente, há um clima de normalidade entre ambos. Entretanto, se qualquer religioso pergunta a um ateu qual é a sua religião e ele responde que não tem nenhuma, que é ateu, um monte de reações se seguem: 1) a pessoa faz cara de espanto; 2) cara de nojo; 3) fica embaraçada e muda de assunto. Na verdade, às vezes ela vai embora. E o que sempre ouvimos: “Por quê você não acredita em deus?”, carregada com o mesmo tom de uma mãe que pergunta ao filho: “Por quê você bateu no seu irmãozinho?” E ai temos de explicar nossas posições. E, como elas são antagônicas as crenças dos religiosos, invariavelmente a coisa termina em discussão.

De resto, há ateus que dedicam boa parte de suas vidas à “causa atéia”. Dawkins é um deles. Diferente, contudo, dos religiosos, que costumam ficar muito insatisfeitos até que todos os demais compartilhem de suas mesmas opiniões, nós ateus não fazemos disso uma causa pela qual se deve morrer. Tanto porque o ateísmo não é uma coisa a ser aprendida; é uma conseqüência, uma conclusão que surge muitas vezes sem a querermos. A melhor forma de ser ateu é simplesmente ser o mais intelectualmente ativo possível. Não devemos nos restringir a uma só área de conhecimento, mesmo a que seja a nossa especialidade. Todo bom ateu deve ser, antes de tudo, o arquétipo de uma pessoa culta. Deve conhecer um pouco de biologia, matemática, física, cinema, teatro… tudo! De fato, não há nem mesmo essa opção: todo “bom” ateu é inteligentíssimo. A religiosidade de Darwin não resistiu à beleza da ciência que se apresentava em seus estudos. Minha religiosidade não sobreviveu aos inúmeros livros científicos ou clássicos literários que li por toda a minha vida. A única “exigência” que os ateus fazem aos outros é, na verdade, uma exigência que qualquer pessoa sensata deveria fazer a si mesma: questionar. Nunca aceitar nada sem uma explicação. Ceticismo não é uma característica atéia; é uma virtude (isso mesmo: virtude) universal. É a virtude que fez o homem domar o fogo, ao invés de apenas ficar reverenciando as labaredas, medroso demais para tentar descobrir a sua natureza. É a virtude que nos fez compreender a rotação terrestre, ao invés de simplesmente acharmos que o sol era que girava em torno dela, carregado por um cavaleiro divino em sua carruagem de fogo.

O ceticismo é para ser “divulgado” na mesma medida que divulgamos o amor, a temperança ou a coragem. Isso não é uma “religiosidade atéia”. Isso é uma virtude que a religião, infelizmente, aprendeu a sufocar.

Fiz o que pude. Não sei mais o que muitos religiosos vão inventar para justificar o fato de que “ateísmo é religião”. Quando, certa vez, usei a simples frase de que “se o ateísmo é religião, NÃO colecionar selos é hobby”; a resposta que recebi foi simplesmente indecifrável: “Mas quando a pessoa passa a roubar os selos das outras e impedi-las a qualquer custo de colecioná-los, isso é religião”. Acho que ele fazia alusão ao “argumento” quatro, mas não tenho certeza.

Na verdade, senti que gastei páginas e mais páginas falando o óbvio. É como uma pessoa que disserta sobre o fato de um quadrado ter lados retos. No caso de, ainda assim, vierem com mais e mais “argumentos” descabidos, devemos apenas fazer o que Dawkins sugeriu: desistir do debate, que NUNCA será ganho, e ir conversar com uma porta. É mais proveitoso.

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