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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Um pouco mais sobre o Espiritismo


Geralmente gosto de conversar sobre temas polêmicos. Na verdade, gosto de religião e um pouco de política. Futebol eu não suporto. E não entendo qual é a graça de ficar uma hora e meia olhando para 22 marmanjos correndo atrás de uma bola, mas já estou me dispersando.

O que ocorre é que mais uma vez entrei em uma conversa sobre religião e veio a irritante pergunta, entre muitas outras que foram bombardeadas: como eu explicaria as psicografias nas quais aparecem etalhes do morto que somente a família saberia? E é claro que isso não poderia deixar de ser acompanhado de um "eu já vi isso acontecer, aconteceu com um amigo meu".

Inicialmente, muitos se assustam quando respondo que não explico esse tipo de coisa. Logo dizem que eu não deveria duvidar e isso acaba me irritando mais e mais. É chato explicar o tempo todo que o fato de não saber explicar um caso concreto não o torna válido. Também é maçante ficar o tempo todo dizendo que é preciso analisar os casos concretos com cuidado e na falta de informações mais detalhadas, é melhor não arriscar uma explicação.

Já ia me esquecendo de mencionar que os defensores do espiritismo logo citam Chico Xavier para TENTAR dar alguma validade para as psicografias e para as obras psicografadas. Vou adiantando que no tocante aos livros, não vi nada neles que não pudesse ser criado por uma mente fértil, sem a ajuda de homens invisíveis ditando para o suposto médium. O fato de milhões terem caído nessa não faz com que essa história dos fantasminhas seja verdadeira.

Mas vamos organizar os pensamentos aqui: vou falar um pouco sobre o que acho dos vários relatos sobre psicografias, senão teremos um texto por demais confuso.




Em primeiro lugar, posso dizer que nunca vi nenhuma psicografia que fosse realmente convincente. E mesmo aqueles que defendem que existem textos que provam que elas continham informações "confidenciais" da família nunca as viram, apenas ouviram falar sobre elas.

Nesse caso, cabem dois questionamentos básicos, mas que não vejo ninguém fazer: o primeiro é se essas cartas psicografadas realmente existiram, pelo menos da forma como foi alegado para eles. Ou seja, se o relato que chegou até aos ouvidos deles (geralmente vindos de "um amigo de um amigo meu") não está distorcido ou exagerado. Quando algo nos impressiona tendemos a exagerar um pouco. Então, cuidado nunca é demais.

Em segundo lugar, a outra pergunta seria sobre o que a família ou o indivíduo fez antes de receber a referida carta. Já me disseram que nunca é na primeira vez que se vai a um centro espírita que se recebe uma psicografia de um parente falecido. Onde eles vêem uma "regra dos espíritos", eu vejo possibilidades. De imediato, penso logo que a psicografia não sai porque o suposto médium não dispõe de informações sobre o morto. Depois, com um pouco de perspicácia e um comparsa disfarçado, pode-se obter muitas informações para repassar para o suposto médium. E geralmente, as informações são passadas sem que nos apercebamos disso.

Há até acusações sobre práticas assim tanto no meio espírita como em outras religiões. Agora, o importante é saber se aquela família que supostamente recebeu uma psicografia de um parente morto não passou aquelas informações para algum dos comparsas, que poderia estar disfarçado tanto de funcionário da casa como de fiel. Dificilmente eles se lembrarão e esse é o motivo por que não me atrevo a especular sobre esse tipo de "fenômeno".

De fato, preferiria acompanhar uma família desde a chegada até o recebimento da carta ou então eu mesmo tentar receber uma mensagem de um parente distante. Nesse caso, eu teria como saber o que realmente acontece nesses lugares. Apenas repetindo, as únicas psicografias que vi, continham informações bem triviais e que poderiam ter sido inventadas por qualquer leitor assíduo da literatura espírita.

Por fim, gostaria de transcrever um texto que encontrei em uma rápida pesquisa na internet, no site Obras Psicografadas. Percebi que não sou o único que desconfia que as informações sobre os mortos vêm de entidades muito vivas - os próprios familiares que as repassam ao médium sem perceber.

Sempre me espantou como as mensagens psicografadas de vários médiuns atuantes em Uberaba – o falecido Chico Xavier, os ainda vivos e ativos Celso de Almeida Afonso e Carlos Baccelli, por exemplo – vinham com tantas informações sobre o falecido. No livro “Por Trás do Véu de Ísis”, de Marcel Souto Maior, encontrei uma possível resposta para esta pergunta.
E a resposta é… o médium simplesmente pergunta tudo para a família do morto, obtendo todas as informações necessárias.

Eis um trecho de um capítulo do livro que esclarece a questão, referente ao médium Carlos Baccelli:

Pais e mães vindos de todo o país esperam a vez de conversar com Baccelli, antes da sessão, numa saleta miúda localizada ao lado do hall de entrada.

É ali, atrás de uma mesa de madeira, que Baccelli atende os candidatos a receber uma mensagem do além. Estes encontros se sucedem a partir das cinco da manhã, uma hora e meia antes do início da psicografia.

Durante as conversas, quase sempre ligeiras, Baccelli pede mais detalhes aos visitantes sobre seus entes queridos e as circunstâncias da morte. Informações como nomes de avôs e avós são anotadas por ele, muitas vezes, em pequenos pedaços de papel, levados mais tarde até a mesa do salão principal, o palco da psicografia.

Quem organiza a fila é um carteiro aposentado de Uberaba, o seu Paulo, sempre simpático e dedicado. Ele se posiciona em frente à porta da saleta, que se fecha assim que cada visitante entra.

Neste sábado, ele está preocupado com a família que veio de carro de Florianópolis em busca de uma mensagem do filho morto. Foram dezenove horas de viagem.

O pai do jovem está na fila e recebe instruções solidárias do seu Paulo:

— Capricha, hein? Conta tudo pro médium pra você receber sua mensagem.
O pai entra sozinho na saleta e, para alívio do seu Paulo, fica quase três minutos lá dentro.

— Este deve receber a cartinha — prevê o ex-carteiro, agora encarregado da correspondência entre vivos e mortos.

O seu Paulo quase nunca erra.

[...]

Uma das cartas chama atenção especial pela crise de choro provocada na platéia. Um choro profundo, desesperado, que começa com lágrimas e soluços e termina com berros, gritos de dor e de saudade.

Querido papai Manoel João, querida mamãe Maria Therezinha, Esqueçamos o acidente de que fui vítima. Imaturidade aos 23 anos de idade…

Os avós são citados, com nomes e sobrenomes, entre detalhes sobre as circunstâncias da morte: um acidente de carro.

Quando a sessão termina, aproximo-me da mãe, ainda aos prantos, ao lado do marido contido e tenso.

Demoro a reconhecê-lo.

É o pai de Florianópolis, instruído pelo solidário seu Paulo.

Dona Maria Therezinha não tem nenhuma dúvida: o filho dela está vivo.

O seu Manoel João responde antes que eu tenha tempo de perguntar:

— Tudo o que está na mensagem eu contei para o médium lá na sala — ele diz.

Depois disso, Marcel Souto Maior entrevista Baccelli:

— Por que o senhor… digamos… “entrevista”, antes da sessão, os visitantes que vêm aqui em busca de mensagens? Por que são necessárias tantas informações?
Baccelli tem uma resposta pronta:

— O trabalho de psicografia não é só dos espíritos. É do médium também. O médium é parte integrante da equipe espiritual e deve ser o guardião da autenticidade de cada mensagem.
A coleta de informações antes da sessão teria, segundo o médium, as seguintes funções: facilitar a sintonia com os espíritos e preservar o trabalho de qualquer “fraude maledicente”.

— Este, Baccelli, é um cenário de dor, fé, esperança e de desconfiança também. Muitos pais duvidam da autenticidade das mensagens quando encontram, nas cartas destinadas a eles, dados já revelados ao senhor — argumento. Baccelli reage com calma:

— Este não é um problema meu. Não cabe ao médium duvidar. As pessoas duvidam até da existência de Deus, apesar de estarem diante da maior evidência de todas: a criação do mundo.

A resposta se prolonga:

— Normalmente as pessoas não querem apenas uma simples mensagem. Elas estão aqui porque querem o filho de volta, e isto as mensagens não conseguem fazer. Cada mensagem é de conforto, de esclarecimento, mas não é de convicção para aquele que não quer crer. A fé é uma conquista individual. Nós não nascemos com fé. A fé, como a paciência, como tudo, é uma conquista. A mensagem é um material de reflexão.

A conversa se encerra com uma citação de Paulo de Tarso:

— A profecia não é para os que duvidam, é para os que crêem — diz Baccelli.

Conclusão

A menos que Baccelli se submeta a testes controlados, que impeçam o vazamento de informações, não vejo motivo algum para considerar sua mediunidade autêntica. Seu ato de fazer várias perguntas aos familiares sobre o morto e o uso de um assistente (um ex-carteiro) que incentiva as pessoas a passarem informações, são altamente sugestivos de fraude.

Os demais médiuns de Uberaba ainda vivos deveriam se submeter a testes controlados também, até mesmo para saber o quão confiável é sua mediunidade. Uma pena que não haja ninguém atualmente fazendo pesquisas em laboratório com tais médiuns. Espero que este artigo chame a atenção para que crentes e céticos se unam no ideal de fazer uma pesquisa que elucide o que se passa em Uberaba: se uma fraude ou um fenômeno genuíno.

Bibliografia

Por Trás do Véu de Ísis – Uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos (2004), de Marcel Souto Maior

E antes que eu me esqueça, há uma outra coisa que sempre comentam que me deixa profundamente irritado: quando dizem que psicografias já foram aceitas em tribunais como provas. E ainda se assustam com meu sonoro "e daí?" Deixemos claro o que já expliquei certa vez em um texto sobre análise de evidências: o fato de um juiz ter aceito aquele documento psicografado como prova, assim como os jurados, a meu ver não comprova sua autenticidade. A única conclusão a que chego é a de que tanto juiz como jurados decidiram acreditar nisso, mas ainda assim nada valida a hipótese. Se lembrarmos das falácias, vamos nos lembrar que o fato de a maioria acreditar em determinada coisa não é isso que a torna verdadeira.

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